sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A eterna cantada de Adriana Calcanhotto


Eu sei que eu ando ausente. Meus ouvidos estão mais apurados e me cobram um nível musical que ainda desconheço. Andei me recolhendo e me permitindo revirar o baú alheio, buscando pérolas do passado. O resultado disso vocês poderam conferir nas próximas postagens. Ou melhor, nessa mesma.
Poucos da minha geração puderam saborear o disco "Cantada", lançado por Adriana Calcanhotto no início dos anos 2000. Poético, sensual e intenso, julgo "Cantada" o melhor disco da cantora que, diga-se de passagem, é uma das maiores artistas que o nosso país já pôs no colo.






Me enchi de medo no ato de selecionar as melhores faixas do disco. Difícil é julgar um trabalho impecável do começo ao fim. Segui meus instintos. Fui da canção que me faz sentir sexy à que me faz afogar nas minhas próprias lágrimas. Não indicarei qual é qual, vou confiar na sensibilidade dos meus leitores. Dancem, chorem, libertem-se e não resistam a esta cantada.

"Pelos Ares"
 "Não lhe peço nada mais se acaso você perguntar. Por você não há o que eu não faça. Guardo inteira em mim a casa que mandei um dia pelos ares, e a reconstruo em todos os detalhes intactos e implacáveis. Eis aqui bicicleta, planta, céu, estante, cama e eu, logo estará tudo no seu lugar. Eis aqui chocolate, gato, chão, espelho, luz, calção, no seu lugar, pra ver você chegar."


"Calor"
"Tarde turquesa, quarenta graus. Talvez porque você não esteja, tudo lateja. Tarde sem nuvem, cinquenta graus, talvez por sua ausência, tudo derreta. Noite sem ninguém, nada se mexe. Eu sonho, o nosso amor é sério, e você em outro hemisfério enquanto tudo derrete, enquanto tudo derrete, enquanto tudo parece derreter."


"Noite"

"Vem lá do canal, reverberações, no ladrar de um cão. Numa dessas noites, tudo vai embora, leve-nos ladrão. Abre-se o sinal sem ninguém passar, é melhor ser vão. Tudo que pontua nossa escuridão."


"Cantada"
"Depois de ter você, pra quê querer saber que horas são, se é noite ou faz calor, se estamos no verão, se o sol virá ou não ou pra que é que serve uma canção como essa? Depois de ter você, poetas para quê, os deuses, as dúvidas, pra que amendoeiras pelas ruas? Para que servem as ruas? Depois de ter você..."


"Justo Agora"
"Eu ouvi dizer que você, assim, como quem não quer nada, perguntou por mim. Agora? Logo agora? Justo agora? Eu ouvi você me dizer que sim, mas era silêncio o que se ouvia, quando dei por mim. Agora? Logo agora? Justo agora?"


"Programa"
"Vá à zona sul as nove, se quiser comer o seu sushi com cólera. Meia noite e dez, descole mais um digestivo, numa ilusão de ótica. Passe pela lapa, pelos arcoíris dos seus arcos mais explícitos, pelo claro escuro, pelo sonho puro, obscuros becos, claros dígitos. Uma e meia, aperte um broto e com precisão pra lá de matemática. Saia às três e arroche, aprima moto pra bangu e a segurança máxima."

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